Caro amigo,
Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde, e em boas condições financeiras pois agora já te libertaram da guerra e já tens emprego. Escrevo-te para te descrever as cenas de horror vividas aqui nas trincheiras e espero que não digas nada aos meus pais pois eles não merecem saber o que se passa por cá. Depois de tantos anos que passei ao lado deles, a ajudá-los nos melhores e piores momentos, não merecem saber isto. Viver aqui é como viver no inferno, se algum familiar te perguntar por mim (pois tu és o meu melhor amigo), diz-lhe que ainda não morri e que estou bem de saúde.
As trincheiras são «óptimas», porque fomos os primeiros a abri-las e a escolher melhores terrenos, temos caves subterrâneas onde dormimos e onde cozinhamos mas vive-se em más condições. Os ataques são constantes e há quem não resista aos estilhaços e tenha que ir para os serviços médicos. É difícil conquistar terreno ao inimigo porque o arame farpado não permite chegarmos à outra frente. Depois vêm as metralhadoras e varrem tudo e todos e são poucos os que chegam com vida ao território inimigo. De tantos mortos existentes no terreno entre trincheiras, os meus colegas deram-lhe o nome de «Terra de Ninguém».
Aqui até as paredes da trincheira têm ouvidos e temos que reparar no que falamos. Enquanto a artilharia está em actividade, a infantaria entrou em repouso mas sempre atenta a qualquer perigo vindo do inimigo. Agora que chegou o gás, não se pára e não se aguenta com o cheiro que está activo durante semanas e, por vezes, horas depois de várias explosões de gás, morremos sufocados.
Como os ataques de infantaria não resultam, chegaram novos materiais de combate, como os aviões, para espiar as zonas onde o inimigo guarda o seu armamento de guerra, os tanques de guerra e máquinas de artilharia pesada. Com as doenças vamos ficando fracos e até as pulgas, ratos e outros bichos nos perturbam o sono e nos enfraquecem a moral. Estamos cansados de tantas cenas horrorosas que provocam doenças físicas e psicológicas.
Despeço – me, com um grande abraço.
Amidel
França, 18 de Junho 1918
Querido pai,
Espero que esteja tudo bem. O meu dia-a-dia de soldado das trincheiras é ir sempre para a guerra, mesmo com muitas dificuldades de alimentação. Por vezes não há comida e tenho que comer cavalo, temos más condições de higiene, não tomo banho e fiquei cheio de piolhos e de pulgas na roupa. Acreditas que, para tirar as pulgas das roupas, tinha que com a ponta do cigarro passar em cima das pulgas para que elas pudessem morrer.Ficar um dia nas trincheiras é ficar sem descanso, no meio da guerra, atirar balas de metralhadoras, dentro de um tanque ou mandar granadas TNT.E enquanto eu descansava houve uma enfermeira que tratou de um soldado inimigo.Querido pai … têm sido dias difíceis, estes, muito difíceis, às vezes penso que me falta a força e a coragem parece desaparecer também.
Tenho muitas saudades vossas, escrevam-me assim que puderem.
Beijo do seu filho querido,
Ivan Fialho